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Tribunal de Justiça de São Paulo |
Texto obtido no Consultor Jurídico:
Para a população, Justiça paulista ainda parece muito lenta
Por
Roberto Braga de Andrade
Quem disse que inovação — essa virtude tão cara à moderna arte da gestão empresarial — é apanágio exclusivo do setor privado?
No Brasil, a despeito das crises moral, política e econômica sem precedentes que se abatem sobre nós, assistiu-se na presente década a uma importante inovação no âmbito do Poder Judiciário. Refiro-me à implantação do processo judicial eletrônico.
É certo que a acepção mais conhecida do vocábulo inovação remete às ideias de criação de algo ex novo, inédito, original etc. Não menos certo, porém, é que inovação também denota disrupção, que no dizer de Antônio Houaiss é o “ato ou efeito de romper (-se); ruptura, fratura”
[1].
De fato, o processo judicial eletrônico rompeu com antigos paradigmas da advocacia contenciosa reinantes na era do processo documentado em papel, proporcionando economia de tempo e custos — inclusive ambientais — a jurisdicionados e operadores do Direito, transformando radicalmente as estratégias de acompanhamento processual e de approach ao principal protagonista do processo, o juiz.
Sinal dos novos tempos é o bom e velho Edifício João Mendes Júnior — o Fórum Central de São Paulo —, onde se encontram instaladas, dentre outros órgãos, 45 varas cíveis: hoje, o prédio parece entregue às moscas, quase deserto, já que, hodiernamente, os atos processuais — exceção feita às audiências, naturalmente — não mais se realizam in loco, e sim remotamente, por intermédio da rede mundial de computadores — a internet. Foram-se aquelas tardes em que o saguão de entrada do João Mendes fervilhava de pessoas diante dos 16 elevadores que servem o edifício; tardes em que advogados e estagiários de Direito se apinhavam nos balcões dos cartórios, disputando a vista de seus processos. Até os ofícios das varas parecem ermos de servidores...
Sim, o TJ-SP é o maior tribunal do planeta em números de processos e de magistrados, a julgar por um post de
Renato Nalini, seu ex-presidente, e por fontes do próprio tribunal e do Conselho Nacional de Justiça: são
2.738 magistrados (p. 32), dos quais 360 desembargadores, 69.263 servidores e auxiliares (p. 32), 1.929 unidades judiciais (p. 87) distribuídas em 331 comarcas, 45 milhões de jurisdicionados — o equivalente à população da Espanha —, tendo recebido nos últimos cinco anos uma média de 400 mil novas ações por mês e atingindo em 2016 um estoque de 25.943.503 processos (p. 31).
Pois bem. Transcorridos mais de cinco anos de aprendizado e experiências em torno do processo eletrônico pelos atores da Justiça paulista, é oportuno que se pergunte: a informatização do processo no estado de São Paulo vem reduzindo a morosidade da Justiça e garantindo aos jurisdicionados a duração razoável do processo preconizada pelo inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal?
Ao me propor essa difícil pergunta, veio-me à mente aquela comparação gráfica a que os economistas recorrem para explicar a diferença entre macroeconomia e microeconomia: esta enfocaria a árvore e sua estrutura produtiva composta de raízes, tronco, ramos, folhas e frutos, enquanto aquela, a macroeconomia, visualizaria a floresta como um todo, constituída de inúmeras árvores.
Guardadas as devidas proporções em relação à Economia, a pergunta “O processo eletrônico vem reduziu a lentidão da Justiça paulista?” poderia ser respondida tanto sob uma ótica macroforense, como sob uma perspectiva microforense.
A perspectiva macroforense partiria da análise do recém-publicado relatório anual do CNJ intitulado
Justiça em Números 2017 (ano-base 2016), elaborado com base na coleta e sistematização de dados estatísticos fornecidos por todos os tribunais do país.
Ocorre que o relatório trata indistintamente processos físicos e eletrônicos
[2], de modo que os resultados estatísticos que apresenta não se prestam a responder à pergunta: “O processo eletrônico reduziu a lentidão da Justiça?”.
Daí limitar-me, aqui, à análise dos números da Justiça estadual paulista, que, além de ser a maior de todas as Justiças, como visto, encontra-se hoje inteiramente informatizada, eis que 100% das novas ações devem ser ajuizadas, obrigatoriamente, no formato digital.
Dentre os processos em que atuo, ocorre-me mencionar um cujo tramitar vem se revelando particularmente moroso. Trata-se de uma ação anulatória de negócio jurídico ajuizada contra certo cliente em 6/11/2013. Somente em 20/7/2016 — mais de dois anos e meio após o ajuizamento da demanda — o juiz proferiu o despacho saneador, e por ele deferiu a produção de prova pericial requerida pelos autores. Meu cliente, na condição de réu, requereu a reconsideração do despacho quanto ao deferimento da prova técnica, porque o objeto da perícia é fato incontroverso, afigurando-se despicienda e contrária, por conseguinte, à economia processual e à garantia constitucional da duração razoável do processo.
Tal petição foi protocolizada em 2/8/2016, e como após um mês os autos eletrônicos ainda não tivessem sido encaminhados à conclusão, dirigi-me pessoalmente ao cartório da vara e solicitei ao escrivão que fizesse a gentileza de providenciar a almejada movimentação processual. Para minha surpresa, o servidor se saiu com a seguinte resposta: “Sim, doutor, vou colocar o seu processo na fila das petições destinadas à conclusão”[?!].
Fato é que os autos eletrônicos só chegaram efetivamente à conclusão cinco meses depois, mais exatamente, em 16/1/2017, e permaneceram nesse estado por mais quatro meses, até que, em 8/5/2017, a tão aguardada decisão foi disponibilizada na página de andamentos do processo no SAJ do TJ-SP.
Fiquei mais perplexo ainda quando verifiquei a data em que o juiz proferiu a decisão: 13/2/2017: ou seja, o juiz levou menos de um mês para proferir o despacho referente ao pedido de reconsideração quanto à prova pericial, mas o cartório, depois de gastar cinco meses para levar os autos à conclusão, consumiu mais quatro meses para apertar meia dúzia de comandos do teclado do computador que permitem disponibilizar o despacho no SAJ. Cinco meses para ir à conclusão, quatro meses para dela voltar: com o perdão da comparação, um verdadeiro parto precedido de nove longos meses de gestação.
A morosidade desse processo judicial eletrônico contrasta fortemente com a agilidade de um procedimento arbitral instaurado perante a Câmara de Mediação e Arbitragem da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (CMA/Fiesp), envolvendo um litígio de complexidade semelhante à sobredita ação anulatória, no qual também atuei como advogado.
O requerimento de instauração foi protocolizado em 23/6/2015, e uma vez praticados pelas partes todos os atos processuais previstos no termo de arbitragem, a sentença arbitral foi proferida pouco mais de um ano e meio depois, mais precisamente em 24/3/2017.
Realmente, um ano e meio no juízo arbitral, entre a propositura do procedimento e a extinção do litígio com julgamento do mérito, contra três anos e meio no juízo estatal, em um processo no qual sequer teve início ainda a fase probatória, é uma diferença abissal de eficiência jurisdicional.
Detalhe: na CMA/Fiesp, os processos ainda não são eletrônicos...
Relatos como esses são correntes entre meus colegas advogados; daí a justa indagação (e indignação) de meu cliente, réu na referida demanda anulatória: "Por que a Justiça é tão lenta, mesmo sendo eletrônicos os processos?".
Eis a pergunta que se fazem milhares e milhares de jurisdicionados paulistas.
Mas justiça seja feita à Justiça!
Diante de contexto forense tão exuberante quanto desafiador — 400 mil novas ações por mês, 25,9 milhões de processos em andamento —, a cúpula do Poder Judiciário paulista vem perseguindo com pertinácia o incremento da celeridade na prestação jurisdicional, secundando assim a “visão” definida no planejamento estratégico do quinquênio 2015-2020, aprovado pela
Resolução 706, de 29 de julho de 2015, in verbis: “Ser reconhecido nacionalmente como um Tribunal moderno, célere e tecnicamente diferenciado, tornando-se um instrumento efetivo de Justiça , Equidade e Paz Social”.
Limito-me a mencionar, aqui, a instituição do Selo Judiciário Eficiente, em agosto de 2016, visando reconhecer a produtividade das unidades judiciais de 1º grau agrupadas de acordo com as competências cível, criminal e cumulativa, bem assim das unidades que integram os juizados especiais, excluindo-se os processos da classe de execução fiscal. Em agosto de 2017, o TJ-SP fez a primeira entrega do certificado de unidade judicial eficiente para 1.004 unidades, o que representa 52% do total de unidades judiciais do estado.
Todavia, se 52% das unidades judiciais do estado de São Paulo receberam neste ano o certificado de unidade judicial eficiente, é válido concluir que 48% das unidades são ineficientes.
Trata-se de percentual ainda muito elevado e que certamente explica, pelo menos em parte, o sentimento dominante entre os jurisdicionados que se encontram envolvidos em alguma demanda judicial: o sentimento de que a Justiça paulista é muito lenta.
Quase desnecessário dizer que, embora o SAJ represente uma inovação verdadeiramente disruptiva e ferramenta poderosa de administração forense, ele não propicia, por si só, a tão sonhada celeridade processual, se não for pilotado por servidores motivados, diligentes e tecnicamente capacitados para extrair do sistema toda a sua potencialidade.
Sem desmerecer em nada os louváveis propósitos, os notáveis esforços e os consideráveis resultados já alcançados pela cúpula do Judiciário paulista nos últimos dez anos, é forçoso reconhecer que ainda há muito chão pela frente até se atingir a "produtividade máxima" a que se referiu o presidente do TJ-SP no discurso de lançamento do programa “Justiça Bandeirante”.
É verdade que em agosto do ano passado o tribunal atingiu um recorde de produtividade: 376.271 processos baixados na fase de conhecimento, número 51% superior ao obtido em agosto de 2015.
No entanto, a ótica microforense — que é a única perspectiva pela qual o cidadão comum enxerga a Justiça — debruça-se sobre processos concretos, em que determinados jurisdicionados, de carne e osso, encontram-se envolvidos, e não sobre as estatísticas frias e abstratas extraídas das metrificações da floresta de ações, que buscam decifrá-la com números, médias, relações, tendências, tabelas, infográficos, enfim, dados que, no dizer de Darrel Huff em seu clássico Como mentir com estatísticas, nem sempre são o que parecem: “Pode haver neles mais do que aparenta, mas pode também haver muito menos”
[3]. Daí ter epigrafado a sua longeva obra com a célebre assertiva do primeiro-ministro Benjamin Disraeli, repassada no mais autêntico e proverbial humor britânico: “Há três espécies de mentiras: as mentiras, as mentiras descaradas e as estatísticas”
[4].